Em 2012 meu irmão teve um surto psicótico acionado por uma esquizofrenia paranoide, diagnóstico que tivemos após sua internação num hospital psiquiátrico.
Até esse dia a saúde mental era um tema tabu em nossa família e esse não olhar para o problema nos tornou cegos para a solução. Éramos ignorantes gabaritados e, naquele momento, mortos de medo diante de um problema que sempre existiu e nunca foi encarado.
Foram dias muito tensos, a realidade fazendo a sua parte, e nós, cegos em meio ao tiroteio, não tínhamos sequer uma arma para atirar a esmo.
A falta de informação em relação à saúde mental é algo muito comum no Brasil. Os governantes, autoridades e gestores de saúde pública e privada não fazem questão de que saibamos qualquer coisa. As famílias, por sua vez, ainda – em pleno século 21 – querem esconder o problema, vítimas de sua própria ignorância, de uma certeza de que “vai pegar mal” perante a sociedade ter um indivíduo com problemas psiquiátricos na família. E a sociedade, como um todo, ainda estigmatiza a “loucura”, os “loucos”, os que sofrem com problemas psiquiátricos de toda a ordem. Basta ver como são encaradas as pessoas que sofrem com depressão. O que se ouve?
– É falta de uma enxada! – se diz, principalmente quando o sofredor é homem.
– Um bom tanque de roupas pra lavar dava jeito nisso! – especialmente para as mulheres.
Incrível que em pleno terceiro milênio a humanidade ainda queira “limpar” a sociedade se livrando desses problemas que, na verdade, somos nós mesmos, seres humanos.
O espelho realmente é cruel porque mostra o que está a sua frente, sem mentira. Mas, por incrível que pareça, nós encontramos uma forma de deformar o que ele mostra. E estão aí doenças “modernas” que não deixam dúvidas. Nele, gente bonita se vê feia. Magros esquálidos se veem gordos.
O grande espelho da nossa família se quebrou em agosto de 2012 e não tinha mais conserto. Mesmo que grudássemos os cacos, ele não mentiria mais.
Aí começou uma busca que nos levou a um caminho possível para o entendimento.
Desde então, com as vísceras expostas, nos tornamos o que éramos, mais humanos. E aqueles “defeitos” que julgávamos escondidos, saíram de debaixo do tapete. Não toda a poeira porque ela é infinita, mas já dava para começar uma faxina.
A falta de informação foi o primeiro grande entrave que encontrei ao procurar ajuda para o meu irmão. A verdade é que eu não sabia como ajudá-lo e nem por onde começar. E esse é o primeiro grande ponto de interrogação que aparece quando buscamos ajuda para o sofrimento psíquico no Brasil.
– O que faço agora? Por onde começo?
Se você sofre um acidente em casa ou sente uma dor aguda que não passa, o primeiro lugar que você procura é um posto de saúde mais próximo ou mesmo um pronto socorro de um hospital. Mas se a dor vem de um lugar que não se trata com curativo, raio-x ou cirurgia, pra onde a gente deve correr? É uma emergência, mas você vê enxerga pra onde correr em busca de ajuda.
Ligo pra onde?
Chamo quem?
Pra onde você levaria seu irmão se você chegasse em casa e ele estivesse com os olhos vidrados e uma arma na mão se dizendo “membro da Interpol”, designado pela Presidente da República para salvar a humanidade?
Jornalista e escritora, formou-se em jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (PR) em 1985. Foi redatora no jornal Folha de Londrina, na década de 1980; jornalista e editora em publicações segmentadas nos anos 1990; é redatora e editora na A Hora do Ovo desde 2008. Escreveu 10 biografias. É editora deste blog.