Não bastasse nossa loucura humana, estamos intoxicando nossos animais de estimação com nossas angústias e dissabores? Parece que sim.
Eu conversei com a médica veterinária Daniela Máximo, que atende animais domésticos em Marília, no interior de São Paulo. Ela é médica homeopata e especialista em gatos. Dani falou sobre essa mudança que está acontecendo entre humanos e bichos e como a medicina veterinária vem lidando com as alterações de comportamento dos animais misturadas com as emoções dos seres humanos.
Daniela Máximo é formada em medicina veterinária pela Unimar, de Marília. Especializou-se em medicina felina porque sempre se interessou pelos gatos. Ela me contou que vê muitas semelhanças entre os gatos e os seres humanos. Uma dessas semelhanças é o autocentrado modo de não aceitar imposições e obedecer ao seu próprio desejo de fazer as coisas.
Atualmente, Daniela se dedica à medicina integrativa, especialidade que integra o atendimento ao bicho e ao tutor com a qual ele convive. Ela também atende os animais domésticos com sua empresa Mabeco, produzindo comida natural feita artesanalmente, obedecendo a todos os conteúdos nutricionais que os animais precisam. No cardápio, desde refeições completas para o dia a dia, até petiscos e sobremesas, como sorvetes e outros quitutes.
Daniela me contou que a medicina integrativa ajuda o médico veterinário a entender onde está o problema da família que ecoa como doença no bicho. É o que ela chama de “repertorizar”. O bicho cria repertórios para si sobre o que está vivendo junto do humano. É o problema da pessoa impactando no animal de estimação.
A médica veterinária diz que “muitas vezes, as relações entre humanos e seus animais domésticos estão doentias” e que isso tem acontecido com muita frequência porque estamos passando nossas angústias, aflições, tristezas e ansiedades para os animais com os quais estamos convivendo. “Muitas doenças que estão no animal muitas vezes não são dele; elas vêm do emocional do dono. E o animal só está repertorizando isso”, confirma a médica.
A proximidade dos humanos com os animais nem sempre resulta em boa coisa. “Há pessoas que substituem filhos, outras que substituem pais que morreram. Muitas mulheres optaram por ter uma vida independente, priorizando a carreira, e não têm filhos. Então, adotam bichos para serem seus filhos. Colocam roupinha, observam e os tratam como se eles fossem criança. O animal não é uma criança”, alerta a médica veterinária.
A questão, diz Daniela, não é a relação em si – adotar um animal – mas, sim, a carga emocional que se passa para o bicho. “Eu escuto muito as pessoas dizerem: o meu animal tem que viver 100 anos; o meu animal não pode morrer antes de mim, como se fosse possível controlar a existência do bicho!”
Recentemente, a veterinária atendeu uma pessoa em sua loja de comida natural para pets e ouviu dela que buscava uma alimentação natural porque ficou sabendo que esse tipo de produto aumenta a longevidade dos bichos. Disse também que havia procurado um advogado porque estava com medo de morrer e os animais dela ficarem descuidados. Ela queria deixar um testamento, algum documento que permitisse que ela deixasse parte de sua aposentadoria para seus animais.
Os casos em Justiça também já têm jurisprudência para os animais. Há o caso de casais separados que tornaram legal a guarda compartilhada dos bichos que tinham em comum antes da separação. Nesses casos, o cachorro ou o gato, por exemplo, têm seu tempo repartido entre os dois ex-cônjuges. Uma semana com cada um, por exemplo. E isso precisa ser bem acompanhado, pois, assim como filhos de casais separados sofrem s não tiverem um acompanhamento de profissionais ou mesmo dos pais, os animais também sentem profundamente as mudanças provocadas por uma separação em família. É nesse momento que entra a medicina veterinária integrativa, explica Daniela Máximo. É um acompanhamento importante auxiliando a família – incluído o animal – a passar por esse momento, entendendo a realidade posta. “É como acontece com a criança, quando os pais se separam. Ela vai precisar absorver aquela separação de uma forma menos traumática.”
É nesse ponto que Dani lembra a minha própria experiência com o Beto. Quando mudei de casa, de cidade, fiquei em dúvida se levava ou deixava o Beto na casa em que ele estava acostumado e na qual viveu nove anos. Fiquei com medo que ele sofresse. Passamos por um tratamento com a Dani para viver esse momento e hoje tenho certeza de que o lugar dele é junto comigo, e eu com ele. Amo ter tido coragem e vencido o medo para estarmos juntos hoje.
Parecia tão impossível! Mas o possível deixou meu medo para trás.
Dani explica situações em que o animal vive mudanças, como em separação de casais.
“Na realidade, o bicho vai absorver aquilo que você está pensando e sentindo, como você está agindo. Se você estiver seguro daquilo que está fazendo, ele também estará. Se o bicho for para a casa do “pai” e ficar lá uma semana e depois voltar para a casa da “mãe” e tudo isso for tratado de forma natural, não vai trazer nenhum tipo de problema psicológico para ambos. Agora, se a dona vai deixar o cachorrinho uma semana na casa do ex-marido e aquilo dói para ela, se ela sente isso como uma dor profunda, aí, sim, a separação, a mudança vai causar um mal-estar para o bicho. Pode ser que o cachorrinho não fique bem, pare de se alimentar, que ele desenvolva uma colite – que é um problema que acontece muito. A diarreia sanguinolenta está muito ligada ao emocional, ao abandono, ao ficar sem saber o que está acontecendo.”
O que pode acontecer, por exemplo, é o tutor levar o animal ao médico veterinário para tratar um problema físico, mas o que ele tem, mesmo, é algo emocional. “E se não diluirmos isso, vamos manter o animal naquela crise”, orienta a médica.
Ter ficado mais próximo dos seres humanos – como animais de companhia -, trouxe então mais problemas para os bichos? – eu pergunto para a Daniela. E ela diz que sim, e que a chamada “evolução” do bicho, passando de utilitário no passado para animal de companhia nos dias de hoje, dentro de casa, tem muito a ver com isso. O gato, por exemplo, servia para caçar ratos; o cachorro era o guarda de segurança da casa. Hoje, os pets têm papel completamente diferente do passado.
Com as mudanças na sociedade, homens e mulheres passaram a ficar mais tempo fora de casa, as famílias reduziram de tamanho, casais passaram a ter menos filhos e a indústria passou a produzir ração para os bichos de estimação que, por sua vez, entraram de vez para dentro de casa, deixando de ter vida livre e de comer os restos da comida da família. Essa fórmula deu na equação que tornou ainda mais próximos os bichos dos seres humanos. No entanto, essa mesma “vida moderna” fez com que os donos não se tornassem a companhia do animal. Boa parte dos bichos de “companhia” vive só o dia todo dentro de casa, em apartamentos pequenos ou fechados em casas teladas.
E, então, no meio do caos urbano, chegou o caos da pandemia do coronavírus, em 2020, e todo mundo ficou obrigado a estar dentro de casa: pais, filhos e bichos. Sobre isso, Daniela Máximo fala no podcast que está neste blog, no link: Podcast NÓS E NOSSOS BICHOS Episódio 1 – Daniela Máximo
Mas, o pandemônio da pandemia é assunto para outra conversa.