Descobri o CAPS quando me achava perdida em busca de ajuda para o meu irmão. Até esse dia, em agosto de 2012, eu não tinha ouvido falar do CAPS, nem podia imaginar que existisse um serviço que atendesse as pessoas com sofrimento psíquico. Ainda mais numa cidade pequena como é a cidade da minha família.
Pois foi exatamente nesse Centro de Atendimento Psicossocial que encontrei ajuda, apoio e ação. Uma equipe muito bem-preparada, unida e com muita vontade de ajudar. O serviço havia sido inaugurado em 2011 na cidade, tinha uma sede pequena, mas bem bacana, organizada, com salas para diversas atividades. Cheguei lá desprovida de qualquer informação, levando apenas meu desespero e um prontuário de outra unidade de saúde mental da cidade por onde meu irmão passara, anos antes, por conta de uma depressão, mas nunca retornara para prosseguir o tratamento.
Acredito que muita gente não saiba que o CAPS existe e que pode ajudar em momentos de crise como esse pelo qual passamos, eu e minha família. Eu escrevi sobre a angústia e a falta de informação que tínhamos na ocasião, no texto PARA ONDE EU VOU?
Muita coisa mudou de 2012 para cá, quando procurei o Centro de Atendimento Psicossocial pela primeira vez. As políticas de saúde mental no Brasil foram modificadas e hoje está tudo de pernas para o ar, conforme todo o resto da (des)organização do país. Mas isso não é culpa da equipe que atende nos centros nem das estruturas de saúde mental. Vou explicando isso nos textos que postarei na seção Saúde Mental deste blog.
O que salva, aliás, a rede pública de saúde brasileira ainda são os profissionais comprometidos que, apesar de todas as dificuldades, seguem acreditando ser possível atender bem à comunidade. Em 2012 foi essa equipe comprometida do CAPS de Orlândia (SP) que nos ajudou a dar os primeiros passos para ajudar meu irmão.
A equipe da unidade era composta por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeuta ocupacional e atendentes. Após a internação do meu irmão em hospital psiquiátrico – ação coordenada e pelo centro -, ele voltou para casa e a companhia do CAPS se mostrou ainda mais valiosa, num atendimento integrado também para a nossa família.
Embora meu irmão não tenha aderido às sessões de psicologia, e tão pouco às atividades do CAPS, a rede de assistência interna continuou trabalhando por ele e por nós, familiares. Por necessidade, meu irmão continuou frequentando as sessões com o psiquiatra, a princípio mensalmente, depois, mais espaçadamente, de três em três meses. Enquanto isso, o apoio à família seguiu um ritmo importante para nos apoiar. Primeiro com sessões coletivas comandadas pelo psicólogo, depois em sessões individuais para cada uma de nós: eu, minha irmã e minha mãe. Sobre isso, fiz uma consideração especial no texto EU E ELES neste blog. Foi um momento especial para mim. Mudou meu jeito de pensar de muitas formas.
Não digo que tenhamos mudado radicalmente nosso jeito de ser família porque a crosta interna de cada um foi muito bem sedimentada durante muitos anos. Certamente, cada um de nós lidou de forma diferente com a questão. Mas confio muito numa mudança “coletiva” de sensações e modos de ver a “doença da família”. Acho que uma troca mínima se estabeleceu entre nós, ainda que silenciosa. Passamos a ser uma família que tem, sim, uma pessoa diagnosticada com transtorno psíquico. E o fato disso ter ficado tão claro com o diagnóstico, para mim ficou evidente que todos deveriam se tratar. A doença é nossa.
“Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades especializadas em saúde mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno mental grave e persistente”. É assim que está descrito o conceito do CAPS na maioria dos sites oficiais. Lá está dizendo que “os centros oferecem um atendimento interdisciplinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros especialistas.”
O psicólogo Paulo Pestana, que atende no CAPS de Orlândia, descreve muito bem, e sinteticamente, como funcionam e como se relacionam os profissionais internamente no CAPS para que as pessoas sejam atendidas na totalidade. No texto QUAL É O TRABALHO DE UM PSICÓLOGO NO CAPS? Paulo explica o papel do psicólogo no centro, que é a sua função no centro, mas já dá para entender um pouco como é essa rede de atendimento interna que entrelaça as diversas funções para abraçar o paciente, envolvendo-o no apoio necessário para que se recupere e siga em frente, convivendo com o transtorno psíquico. Aliás, é esse, basicamente, o papel do CAPS: apoiar e orientar a pessoa para que ela viva e se relacione no cotidiano com sua família, seus amigos, seu trabalho… para que o convívio social seja verdadeiro e a sociedade assuma essa pessoa como seu membro.
Não é uma tarefa fácil para ninguém. Estamos todos aprendendo a aceitar a pessoa doente como parte do nosso ser doente. Sobre isso e sobre como a doença mental é de toda a família vou falar em outro texto. A dificuldade em abraçar e envolver nossos irmãos doentes é uma tarefa que, entendi, se tornou importante para mim. Difícil, muito difícil, mas visceralmente fundamental. Parte dela está sendo trabalhada neste blog, que faço lentamente porque me é muito custoso mexer nessa ferida.
Como eu digo no texto QUEM SOU, é por ser difícil – e tão necessário – que eu quero fazer.
E o CAPS tornou isso possível para mim. Eles me pegaram pela mão, pegaram nas mãos da minha mãe, da minha irmã, do meu irmão… e vêm nos guiando desde então, com todas as dificuldades por que vêm passando com o desgoverno e as políticas de destruição das estruturas de saúde no país.
Outros profissionais mais capacitados escreverão aqui ou falarão sobre o CAPS de forma mais categórica e competente. Só estou pincelando alguns pontos para iniciar, fazendo uma introdução sobre a grande importância que têm esse centro e seus profissionais. Eles são o apoio e, dependendo da situação, a única luz no fim do túnel para pessoas com transtorno psíquico e suas famílias.
Diz um dos textos sobre o centro que “os pacientes com problemas psiquiátricos, em alguns momentos, estão sujeitos a crises e o CAPS é o lugar indicado para seu acolhimento, pois o vínculo que o paciente estabelece com a equipe é muito importante nesse momento”. E foi num desses momentos difíceis da vida da nossa família que fomos acolhidos pela equipe do CAPS, a luz no início do túnel que continuamos atravessando porque esse é um caminho sem fim. Cada passo ilumina um pedaço; só enxergaremos enquanto estivermos caminhando. Sozinhos, jamais conseguiríamos.
Essa foi a primeira lição que aprendi depois do desespero de não enxergar a saída.
Jornalista e escritora, formou-se em jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (PR) em 1985. Foi redatora no jornal Folha de Londrina, na década de 1980; jornalista e editora em publicações segmentadas nos anos 1990; é redatora e editora na A Hora do Ovo desde 2008. Escreveu 10 biografias. É editora deste blog.