No Japão e no Reino Unido, governos criam um ministério para tratar exclusivamente da solidão; o número de suicídios aumenta e pessoas morrendo sozinhas tornam-se o cotidiano.
Solidão é uma condição que parece fazer parte da sociedade moderna. Claro que não é só hoje que vivemos isso, mas há fortes componentes que aceleram esse processo na mesma velocidade em que a gente vive, nos dias atuais.
E há muitas notícias sobre isso.
Uma me chamou a atenção especialmente pelo caráter que tem de “saúde pública”. É a criação do Ministério da Solidão, iniciativa que já aconteceu na Inglaterra em 2018 e agora, com a pandemia da covid-19, também no Japão.
A solidão mata e, no Japão, mata mais que a covid-19. É isso que dizem os jornais do mundo ao noticiar que a ilha japonesa nomeou um ministro para cuidar exclusivamente da solidão do povo. Tudo por causa do aumento no número de suicídios no país.
O país já contava com um índice grande de suicídios, mas a questão ganhou contornos mais expressivos com a pandemia do novo coronavírus. Parece que o Japão é o segundo país a adotar essa estratégia, levando a solidão a ser tratada como problema de “saúde pública”. Em 2018, o Reino Unido também criou o Ministério da Solidão visando atender aos britânicos que padeciam desse mal. São 9 milhões de britânicos que vivem nessa condição, por questões variadas, entre elas, a perda de familiares e cuidadores, a velhice e outras tantas angústias dessa vida dita “moderna”.
Na ocasião, a então primeira-ministra Teresa May, que criou o cargo em seu governo, declarou à imprensa que “a solidão é a triste realidade da vida moderna” e se disse disposta a enfrentar o desafio “para que todos nós possamos agir para combater a solidão enfrentada pelos mais velhos, pelos cuidadores, por aqueles que perderam seus entes amados – pessoas que não têm ninguém para conversar ou compartilhar seus pensamentos e experiências.”
Na época foi escolhida uma mulher, Tracey Crouch, para conduzir os trabalhos do ministério. No Reino Unido, mais de 9 milhões de pessoas vivem permanentemente ou frequentemente sozinhas, de uma população de 65,6 milhões, de acordo com a Cruz Vermelha Britânica. O jornal alemão DW destacou também na ocasião que a Cruz Vermelha descreve a solidão e o isolamento como uma “epidemia oculta”, afetando pessoas de todas as idades e em todos os momentos de suas vidas, como durante a aposentadoria, na morte do parceiro ou na separação.
O SINTOMA: NINGUÉM SENTIU FALTA DELAS
No Japão, o problema se repete, e tem mais ou menos as mesmas características que o Reino Unido. No caso do Japão, o aumento no caso de suicídios disparou o alerta. “Em 2020, o país asiático registrou 21.919 suicídios, dos quais 479 eram crianças e adolescentes em idade escolar e 6.976, mulheres. Foi o primeiro aumento em 11 anos”, relatou a mídia europeia.
“Sintoma” dessa solidão aparentemente crônica das grandes metrópoles é o dado estarrecedor de que 14% das pessoas mortas no Japão, nesse período de aumento dos suicídios, foram encontradas entre um e três meses depois de sua morte. Elas moravam sozinhas e, pelo visto, não tinham ninguém que sentisse a falta delas.
A massificação das cidades combinada com a queda na natalidade – muito comum, nos dias atuais – é uma das vertentes a serem tratadas pelo ministro japonês da solidão, Tetsushi Sakamoto. É mais ou menos a mesma linha adotada pelo Reino Unido ao criar o ministério que trata a questão da solidão entre os britânicos.
Os japoneses, em especial, têm dificuldade em reconhecer o problema da solidão. Rejeitam a conotação negativa da solidão, disse uma especialista a Gonzalo Robledo, em artigo sobre o tema no El País. A especialista, no caso, é Junko Okamoto, autora do livro Sekai ichi kodoku na Nihon no ojisan (O mais solitário do mundo: os homens japoneses de meia idade). É ela que aponta que um dos primeiros desafios para o novo ministério será compilar estatísticas sobre uma condição que poucos japoneses reconhecem como um problema. “Muitas pessoas estão sozinhas, mas se recusam a aceitar isso. É um estigma”, disse em entrevista por telefone ao articulista espanhol. A autora disse que “para o japonês médio, a resistência às adversidades é um dever e a solidão é um desafio que se assume sem estardalhaço.”
“O aumento das mortes de idosos sozinhos que são encontrados dias, ou às vezes meses, depois do falecimento, propiciou a criação de serviços especializados em limpeza de quartos que ficam imersos em montanhas de lixo ou manchados com fluidos corporais.”
O primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, criou o cargo de Ministro da Solidão, para revitalizar as economias regionais, elevar os índices de natalidade, mas principalmente, tentar reduzir as altas taxas de suicídio do país, de acordo com o The Japan Times. Em 2020 morrem mais de 20 mil pessoas por suicídio, enquanto a covid-19 matou 8 mil pessoas.
O problema do suicídio é antigo no Japão. Durante muito tempo o país ostentou a maior taxa de suicídio do mundo. O primeiro-ministro japonês que criou o ministério da Solidão expressou uma preocupação especial com as mulheres. Em outubro de 2020 suicidaram-se 851 mulheres, um aumento de 83%, já que no ano anterior foram 466 mortes dessa forma.
Jornalista e escritora, formou-se em jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (PR) em 1985. Foi redatora no jornal Folha de Londrina, na década de 1980; jornalista e editora em publicações segmentadas nos anos 1990; é redatora e editora na A Hora do Ovo desde 2008. Escreveu 10 biografias. É editora deste blog.